Há muito tempo, quando ouvi pela primeira vez da história que houve um tiroteio dentro do Senado, que resultou num morto e acabou sem ninguém condenado, não estava à espera que, anos depois, quando decidi ler mais sobre o assunto, estaria para descobrir muita coisa.
Os protagonistas desta história
Quem está envolvido nesta história são 3 pessoas: José Kairala, a vítima, Silvestre Péricles, o "instigador", e Arnon de Melo, o autor dos disparos.
De José Kairala há pouca informação, ele faleceu em 4 de Dezembro de 1963, com 39 anos. Na altura, a sua esposa, Creusa da Silva, estava grávida e tinha 3 ou 4 filhos (dependendo da fonte). ¹ ²
Silvestre Péricles de Góis Monteiro é um personagem controverso. Nunca escondeu o seu temperamento e o seu tom ameaçador. Numa entrevista à revista "O Cruzeiro" em 1950, quando era governador de Alagoas disse que, se alguém o ameaçasse, estaria assinando a sua sentença de morte e que ele dispararia contra essa pessoa. Ao mesmo tempo, Silvestre mostrava sem pudor o seu revólver de calibre .38 ao jornalista.³ Consta também que ele disparou contra o próprio irmão, Ismar de Góis Monteiro. ⁴
Arnon Afonso de Farias Melo, ficou conhecido por ter sido o pai do ex-presidente do Brasil, Fernando Collor de Melo, e por ter sido o autor dos disparos que vitimaram José Kairala. Arnon foi jornalista, advogado, político e empresário. ⁵
José Kairala sendo levado ferido |
O prelúdio
A relação de Arnon e Silvestre é complicada. Em 1950, 13 anos antes do incidente, Arnon ganhou a disputa pelo governo de Alagoas contra o candidato Luís Campos Teixeira, apoiado por Silvestre. A vitória foi clara, 57 mil votos contra 36 mil. ⁶
De ego frágil por não conseguir lidar com a derrota e de temperamento vingativo, Silvestre teve uma ideia louca. Cederia o poder, mas sem antes deixar uma surpresa desagradável no Palácio Floriano Peixoto ou Palácio dos Martírios, como é também conhecido. É neste palácio que o Governador Arnon moraria. O plano de Silvestre era simples, o Palácio seria entregue coberto de fezes. ⁵ ⁶
Para conseguir as fezes necessárias para passar nas paredes, portas, móveis e tudo quanto era lugar do Palácio, Silvestre criou um indulto para quem estava na cadeia. Quem defecasse 1 quilo ou mais, seria solto. A estratégia deu certo, e dezenas de presos foram soltos e as paredes do palácio foram sujas. A tomada de posse em Março de 1951 não pôde ser no Palácio. Arnon e a sua esposa só se mudaram 1 ano depois. ⁵ ⁶
Arnon clama inociencia pelo incidente. |
As coisas entre Arnon e Silvestre não se acalmaram. Silvestre nunca se coibiu de atacar Arnon, dizendo que Arnon jamais o enfrentaria no Senado ⁵ até que chegamos ao fatídico dia.
Arnon no dia 4 de Dezembro de 1963, depois de evitar discursar por muito tempo⁵ pede a palavra e começa por dizer que Silvestre o ameaçou de morte se discursasse¹:
Senhor presidente, permita vossa excelência que eu faça meu discurso olhando na direção do senhor senador Silvestre Péricles de Gois Monteiro, que ameaçou de me matar, hoje, ao começar meu discurso.⁷
Silvestre trazia consigo o seu revólver de calibre .38 com um cano longo de cabo madrepérola ² ⁸ que já tinha sido usado antes para ameaçar Arnon. ⁸ Quem nesse dia também trazia uma arma era Arnon. ⁹
Diversas fontes relatam que Silvestre se sentiu ofendido, chamando Arnon de "crápula" ou "filha da puta" e vai em direcção de Arnon. Em resposta, Arnon puxa da sua arma e dá dois tiros.¹ ⁷.
Na confusão, os senadores João Agripino e José Kairala tentam ajudar na situação para tirar a arma a Silvestre⁷ que se escondia entre as poltronas quando Arnon dispara mais uma vez, atingindo José Kairala na barriga.¹
José Kairala estava no seu último dia como substituto José Guiomard e tinha levado a sua família para celebrar, mas infelizmente não sobreviveu e morreu horas depois no hospital após diversas transfusões de plasma na mesa de cirurgia. ¹
Capas de jornais da época |
O desfecho
Silvestre, que não fez nenhum disparo. Segundo ele, podia ter matado Arnon facilmente, mas, com receio de atingir outros, não o fez. Arnon nunca admitiu que foi ele o autor do disparo que matou José Kairala e não se lembra de quantos tiros deu ao certo.¹
Silvestre não foi considerado culpado e Arnon também não. Não houve qualquer tipo de punição. Arnon diz ter agido em legítima defesa. Fontes dizem que ambos fizeram um gesto para puxar a arma, mas testemunhas dizem que Silvestre nunca o ameaçou naquele momento.¹⁰
Arnon foi absolvido por ter sido considerado legítima defesa, o que pode ser considerado controverso, pois apesar das ameaças anteriores por parte de Silvestre, não houve naquele momento uma ameaça real por parte do seu rival.
Quanto à viúva de José Kairala, Creusa Kairala, tentou processar Arnon para custear os custos da educação dos seus filhos, mas sem sucesso. Ela teve que trabalhar como lavadeira e babá.²
Arnon foi reeleito para o Senado por mais dois mandatos.²
Creusa Kairala chora pela morte do marido |
Outros casos
O caso de "Arnon contra Silvestre" não é único. Existem outros dois casos de tiros dentro das casas da democracia que podemos mencionar.
Em 1967, temos o caso dos parlamentares Nelson Carneiro e Estácio Souto Maior. Nelson disparou em Souto Maior, de orgulho ferido por ter recebido um estalo de Souto Maior dias antes. No momento dos disparos, Souto Maior se defendeu, pegou a arma de Nelson e atirou contra ele. Apenas Souto Maior saiu ferido, sobrevivendo ao incidente. Ambos foram absolvidos.
Em 1929, poucos dias depois do Natal, Ildefonso Simões Lopes e Manoel Francisco de Sousa Filho começaram uma briga. Ildefonso disparou contra Manoel, resultando na sua morte. O autor do disparo acabou absolvido, alegando ter agido em legítima defesa do filho que o acompanhava naquela altura. ¹
Fontes:
1) "Arnon de Melo: Pai do ex-presidente Fernando Collor matou colega com tiro no Senado | Blog do Acervo - O Globo." O Globo, 04/12/2018, https://blogs.oglobo.globo.com/blog-do-acervo/post/pai-de-collor-senador-arnon-de-melo-matou-colega-com-tiro-em-plenario-ha-55-anos.html. e Acervo. "O senador morto pelo pai de Fernando Collor no Congresso Nacional, há 60 anos." O Globo, , https://oglobo.globo.com/blogs/blog-do-acervo/post/2023/12/o-senador-morto-pelo-pai-de-fernando-collor-no-congresso-nacional-ha-60-anos.ghtml.2) Thiago Lincolins. "Família de senador morto por pai de Fernando Collor passou por dificuldades." Aventuras na historia, 04/12/2023, https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/familia-de-senador-morto-por-pai-de-fernando-collor-passou-por-dificuldades.phtml. e Rodrigo Casarin. "Há 60 anos, pai de Fernando Collor matava um senador dentro do Senado." Aventuras na História, 04/12/2019, https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/historia-arnon-de-mello-morte-senado.phtml. e Wallacy Ferrari. "Assassinato no Senado: 5 fatos sobre a morte que envolve o senador Arnon de Mello." Aventuras na História, 01/09/2020, https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/assassinato-no-senado-5-fatos-sobre-a-desgraca-do-senador-arnon-de-mello.phtml.4) Renato Alves e Levy Guimarães. "Inimigo do pai de Collor foi acusado de mandar matar adversários políticos | O TEMPO." O Tempo, 03/12/2023, https://www.otempo.com.br/politica/congresso/inimigo-do-pai-de-collor-foi-acusado-de-mandar-matar-adversarios-politicos-1.32858905) João Linhares. "O cheiro do ódio - por João Linhares - O Progresso." Progresso, 26/07/2020, https://www.progresso.com.br/cotidiano/o-cheiro-do-odio-por-joao-linhares/374521/.6) "Arnon de Melo." Wikipédia, 25/12/2024, https://pt.wikipedia.org/wiki/Arnon_de_Melo.7) Odilson Rios. "Na História: governador encomenda quilos de coco a presos de Alagoas - Repórter Nordeste." Reporter Nordeste, 05/01/2016, https://reporternordeste.com.br/na-historia-governador-encomenda-quilos-de-coco-a-presos-de-alagoas/.8) Francisco Artur. "Senador e pai de Collor, Arnon de Mello matou colega dentro do Congresso; relembre." Correio Braziliense, 15/12/2023, https://www.correiobraziliense.com.br/historia-de-brasilia/2023/12/6668984-senador-e-pai-de-collor-arnon-de-mello-matou-colega-dentro-do-congresso.html.9) TJDFT - Processos Históricos, https://www.tjdft.jus.br/institucional/gestao-do-conhecimento/centro-de-memoria-digital/documentos/processos-historicos/PROCESSOS%20HISTORICOS_caso%20arnon%20de%20mello.pdf.10) Bol. "Primeiro senador a ser preso matou parlamentar dentro do Plenário - Notícias - BOL." BOL, 27/11/2015, https://www.bol.uol.com.br/noticias/2015/11/27/primeiro-senador-a-ser-preso-matou-parlamentar-dentro-do-plenario.htm.11) Carlos Madeiro. "Há 60 anos, pai de Collor matou colega no Senado, mas saiu impune." UOL Notícias, 04/12/2023, https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2023/12/04/ha-60-anos-pai-de-collor-matava-colega-no-senado-mas-saiu-impune.htm.
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